Mudar ou Desistir?

O movimento Desistência Silenciosa avança dentro das corporações e pode forçar uma revisão do atual modelo de trabalho das pessoas.


Estes últimos anos nos têm sido bastante exigentes. São tantos os desafios enfrentados que já não devemos mais descartar a possibilidade disto tudo nos conduzir rumo a algo imprevisível. Embora a humanidade já tenha passado por situações até mais impactantes do que a atualmente vivida, percebe-se no ar uma crescente insatisfação quanto à forma como as coisas estão sendo conduzidas e, principalmente, quanto aos rumos indicados por elas. Muitos já não acreditam mais que aquilo que um dia foi tido como normalidade será restabelecido e, muito menos, que tudo voltará a ser como antes. Aliás, o que um crescente número de pessoas começa a querer mesmo, é que o antes não volte nunca mais. Será que estão errados?

Os propositores da regresso à normalidade parecem preferir atropelar a real dimensão dos efeitos destes anos sobre as pessoas E, a cada dia que passa, esse desatino só faz crescer o ceticismo geral diante das escolhas evidentemente mal calculadas e ideias desastrosamente propostas. Assim, vemos, em todas as frentes da vida moderna, esta anacrônica postura das lideranças provocar uma crescente indisposição das pessoas em se manterem apenas trabalhando por uma amanhã melhor. E é no campo do trabalho, que essa indisposição mais se manifesta. Agora, de forma mais decisiva, através do movimento Quiet Quiting.

Quiet Quiting, Silent Quiting ou a Desistência Silenciosa é uma resposta radical sintetizada por um vídeo viral que ganhou o mundo impactando profundamente aos mais jovens. Em última instância, a Desistência Silenciosa decreta que o rumo atual das coisas não justifica mais a manutenção de uma postura profissional engajada e ambiciosa por ascensão funcional ou escalada salarial. Desta forma, ela propõe uma mudança no comportamento profissional que ajuste o esforço funcional apenas ao necessário – ao emprego apenas necessário e o ganho apenas suficiente, nada mais. Este movimento se contrapõe à Cultura Hustle (ou Grind) que preconiza a trajetória profissional (com incremento salarial) como objetivo maior das nossas vidas. A razão imediata para esta mudança é a disparada do número de transtornos ocupacionais registrados com severos impactos sobre a vida profissional e pessoal de um grande número de pessoas. Por tudo isso, muitos estão cogitando redirecionar suas vidas em busca da saúde mental, bem-estar social e qualidade de vida.

Embora se perceba nos meios de comunicação um grita agressiva mesclando menosprezo e condenação do movimento (que surpresa!), a Desistência Silenciosa agora é um fato que não pode mais ser ignorado por ninguém. Afinal, de acordo com relatório do Bureau of Labor Statistics, só entre meados de 2021 e meados de 2022 mais de 80 milhões de americanos pediram as contas em seus empregos no período que já é denominando como A Grande Demissão. No período, sete em cada dez trabalhadores apresentaram transtornos ocupacionais devidos ao Burnout, de acordo como o Asana’s 2022 Anatomy of Work Report. Ainda nos Estados Unidos, uma pesquisa do Gallup detectou que 2/3 dos trabalhadores sofrem incômodos ou desânimo no ambiente de trabalho. Mas, o dado mais preocupante vem da Inglaterra onde 69% das demissões voluntarias ocorridas no mercado de trabalho entre 2021 e 2022 foram pedidas por profissionais nascidos após 1990 disparando um preocupante alerta. Reflexo disso, a Apple informou recentemente que pode rever sua intenção de retomar o trabalho como 100% presencial em decorrência dos reflexos que a decisão provocou sobre sua força de trabalho. De igual forma, todas as gigantes começam sentir uma efetiva pressão vinda, justamente, daqueles que cuidariam do seu futuro e começam a se preocupar com a possibilidade de não conseguirem conter esse tsunami que avança, até aqui, inexoravelmente.

Mesmo considerado que este direcionamento inevitavelmente impactará mais severamente suas próprias vidas, já está claro que os jovens não estão dispostos a repetir os equívocos que quase a totalidade dos seus mais velhos cometeram – Agora, se for para perder de qualquer maneira, ao menos que não seja em benefício alheio.

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