Ponto de Inflexão

Nenhum empresário deve se imaginar a salvo dos efeitos que a deterioração da economia e mercados pode provocar nos negócios.


Estas tantas mudanças que estão ocorrendo no mundo trouxeram à tona algumas questões que havíamos conseguindo evitar até agora. Entretanto, não ainda a ponto de transformá-las em um debate franco e aberto entre nós, tanto que insistimos em tocar as coisas como se o agora não nos desse nenhuma razão para temer os resultados desta perigosa estratégia e os riscos implícitos nos seus prováveis resultados. São inúmeras as frentes de debate que aguardam a nossa coragem, mas a questão do trabalho não pode tardar.

Mesmo antes da pandemia e do tsunami de demissões por ela provocado em todo o mundo, a diminuição do poder do trabalho como fonte de renda e motor da economia já assombrava a muitos no planeta. Tendo o neoliberalismo promovido uma longa jornada de esforços corporativos e tecnológicos, prioritariamente voltados para a produtividade e a lucratividade, milhões de postos foram extintos generalizando a precarização do trabalho e, sobretudo, dos salários. O Estado, por sua vez, não apenas assistiu o capital e suas corporações se tonarem entes cada vez mais abstratos, etéreos, como fomentou ações e omissões que permitiram aos globalizantes criar para eles um planeta próprio apartado de objetivos, regras e compromissos econômicos e sociais que deveriam nos envolver indistintamente. Enquanto as maravilhosas promessas vãs do passado se desfaziam em pesadelo para milhões, o próprio estado promovia o gradativo desmantelamento de toda uma rede de cuidados e proteções laboriosamente construída por gerações de trabalhadores. Hoje, esta realidade não apenas nos cerca, mas já toca a pele de muitos de nós.

Pode parecer estranho um empresário avaliar a situação desta forma, mas o contraditório é impresindível para a provocação desse confronto, para a discussão aberta do problema e para a aferição dos seus rumos. Rumos, aliás, nem de todo irreversíveis como pode a nossa complacência dar a entender ou a narrativa do estado e dos meios de informação pretendem fazer supor. Percebe-se no mundo o surgimento de uma reação ao risco aparente neste destino das coisas. Só aqui no continente, a mudança da regra tributária argentina, que passa a taxar as grandes fortunas no país, e a opção do povo chileno, que excluiu a direita da composição da constituinte que elaborará sua futura constituição, dão mostras de que a percepção do problema existe e é real.

Por isso, é fundamental que reflitamos sobre onde nossa trajetória pessoal e empreendedora se intersecciona com esta realidade. Isto, observando que sem trabalho não há remuneração, sem remuneração não há consumo, sem consumo não há mercado e, sem mercado, como ficarão nossas empresas?

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